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Seca castiga canaviais e gera incertezas na Mata Norte

Por Marina Meireles

O Pernambucano Roberval Germano, de 39 anos, só tem um desejo: a chegada da chuva. E esse é um desejo compartilhado com todos os integrantes da milionária cadeia de produção de derivados de cana na Zona da Mata de Pernambuco, que sofre com as consequências da seca.

O G1 mostra, em uma série de reportagens, uma pequena amostra da realidade vivida na região – e as muitas saídas que encontra para conseguir sobreviver. Confira aqui as histórias, contadas em cada um dos nove estados do Nordeste brasileiro.

Vivendo na terra em que os anos são contados em safras, Roberval não se lembra ao certo quando começou a jornada em um canavial de Nazaré da Mata. “Entrei aqui numa entressafra, depois de sair de uma fábrica de cerâmica em Carpina”, relembra. Sustentando a esposa e os três filhos de dois, sete e nove anos com o salário mínimo conquistado a cada mês, ele reza para que a seca que castiga a plantação não seja capaz de cessar a sua única fonte de renda.

Trabalhando diariamente das 6h às 12h, ele aduba e retira o capim da cana que conseguiu sobreviver à estiagem, que, segundo alguns dos produtores da região, é a pior dos últimos 20 anos. “Se eu sair daqui, não tem outra plantação para ir. O medo de ficar desempregado é grande porque isso é geral”, conta, depois de ter assistido à recente demissão de 59 canavieiros que trabalham em um mesmo canavial.

Canavieiro Roberval Germano teme sair do emprego devido à seca na Zona da Mata de Pernambuco (Foto: Marlon Costa/Pernambuco Press)

Canavieiro Roberval Germano teme sair do emprego devido à seca na Zona da Mata de Pernambuco (Foto: Marlon Costa/Pernambuco Press)

Tida como necessária, a medida foi tomada pelo produtor Octávio Coutinho, que lamenta a morte da ‘socaria’, nome dado ao broto da cana, e tenta enxergar com bons olhos os 30% de área viável que restaram em sua plantação de 700 hectares. Nos outros 70% da área, a esperança de uma produção robusta traduzida através do verde dos canaviais deu lugar ao marrom, cor póstuma dos brotos sem vida.

Depois da primeira safra, a cana pode brotar por até cinco anos seguintes, mas, sem a hidratação adequada, a planta pode morrer e, consequentemente, causar o prejuízo pelas safras que deixarão de ser colhidas nos anos seguintes. Diante de um cenário desanimador devido à seca, a dispensa dos funcionários tornou-se inevitável. “Para os que sobraram, eu vou ter que dar férias porque não tem mais muita cana para cuidar”, lamenta Coutinho.

Verde das mudas que se destacam em meio à paisagem marrom é de plantas que não terão alto potencial de extração, segundo produtores de Pernambuco (Foto: Marlon Costa/Pernambuco Press)

Verde das mudas que se destacam em meio à paisagem marrom é de plantas que não terão alto potencial de extração, segundo produtores de Pernambuco (Foto: Marlon Costa/Pernambuco Press)

Esse quadro é uma consequência da estiagem na Zona da Mata de Pernambuco, que tem castigado as plantações de cana em municípios como Nazaré da Mata, Glória do Goitá, Tracunhaém e Lagoa de Itaenga. De acordo com o presidente da Associação dos Fornecedores de Cana de Pernambuco (AFCP), Alexandre Andrade, a ausência das chuvas é registrada desde o mês de junho de 2016. “As chuvas foram mal distribuídas e o pessoal precisa ser demitido antes do tempo. O trabalho na entressafra já tem um volume menor e, com essa estiagem, o pessoal que trabalha no campo está sendo demitido antes do tempo”, explica.

Para os próximos meses do ano, as previsões não são animadoras. Durante uma discussão técnica entre meteorologistas de quatro estados do Nordeste no fim de março, no Recife, foi gerado um prognóstico de chuvas abaixo da média histórica para o setor Leste da região, no período de abril a junho de 2017. De acordo com a previsão da Agência Pernambucana de Águas e Clima (Apac), praticamente toda a área de Pernambuco terá chuvas abaixo da média climatológica.

Previsões da Agência Pernambucana de Águas e Clima (Apac) prevê chuvas abaixo do esperado para Pernambuco em alguns meses de 2017 (Foto: Reprodução/Apac)

Previsões da Agência Pernambucana de Águas e Clima (Apac) prevê chuvas abaixo do esperado para Pernambuco em alguns meses de 2017 (Foto: Reprodução/Apac)

“A cana que sobrou não está em boas condições. Para fazer o replantio da área que não pode mais ser aproveitada, eu vou muito além de ter o prejuízo de não cortar a cana nas safras que ela poderia nascer de novo”, explica Coutinho. Para cada hectare, seriam entre R$ 7 mil e R$ 7,5 mil para replantar a matéria-prima para açúcar e etanol, além dos R$ 120 mil de prejuízo causados pela morte da planta em safras primárias.

No caso do produtor Felipe Nery, de Lagoa de Itaenga, também na Mata Norte de Pernambuco, a situação é semelhante. “Vou ter que reduzir a área de plantio, porque a seca reduziu 40% do total de cana que seria cortada e a manutenção de cada hectare custa mais ou menos R$ 1,2 mil”, detalha.

Segundo dados do Sindicato da Indústria do Açúcar e do Álcool do Estado de Pernambuco (Sindaçúcar-PE), a safra de 2014/2015 resultou no corte de 15,01 toneladas de cana. Na safra de 2015/2016, o número caiu para 11,6 toneladas e representa, em 20 anos, o pior resultado de colheita no estado.

Em Pernambuco, produção de açúcar na safra de 2015/2016 foi a pior nas últimas duas décadas (Foto: Reprodução/G1)

Em Pernambuco, produção de açúcar na safra de 2015/2016 foi a pior nas últimas duas décadas (Foto: Reprodução/G1)

Nesse último ano de safra, a extração da cana resultou na produção de 353 mil metros cúbicos de etanol, resultado inferior aos 386 mil metros cúbicos obtidos a partir da safra de 2014/2015. O açúcar também não teve bons resultados em 2016 e, assim como a cana, teve o pior resultado em 20 anos. “Já somos um setor com atividade sazonal. Nossa receita é não é perene e, quando há queda na produção das safras, esse cenário fica bastante prejudicado”, comenta o presidente do Sindaçúcar-PE, Renato Cunha.

Para a safra 2016/2017, as expectativas não são as melhores. “Foram feitos investimentos esperando-se uma safra de pelo menos 13 milhões de toneladas, e dificilmente essa safra chegará a 12 milhões”, lamenta o presidente do Sindaçúcar-PE, torcendo, assim como todos os outros envolvidos na produção canavieira, para que a previsão do tempo consiga reverter a desesperança provocada pela previsão da safra.

Irrigar para salvar a plantação

Engenheiro agrônomo Alberto Felipe Silva demonstra como é feita a irrigação por aspersão (Foto: Marlon Costa/Pernambuco Press)

Engenheiro agrônomo Alberto Felipe Silva demonstra como é feita a irrigação por aspersão (Foto: Marlon Costa/Pernambuco Press)

De acordo com o presidente da Associação dos Fornecedores de Cana de Pernambuco (AFCP), Alexandre Almeida, a irrigação dos hectares é única saída para evitar a perda da cana devido à seca. A solução, no entanto, esbarra no alto custo de investimento e não garante a colheita de plantas saudáveis. “As plantas que estão conseguindo se desenvolver não têm tanto potencial quanto aquelas que receberam irrigação desde a fase da socaria. A irregularidade das chuvas acaba diminuindo a capacidade de extração”, conta.

De acordo com o engenheiro agrônomo Alberto Felipe Silva, o trabalho de irrigação custa, em média, R$ 250 por hectare. “A irrigação é feita por aspersão, e, ao longo da safra, a plantação recebe cerca de 100 milímetros de água. Esse processo é feito com a água usada na produção do álcool, então é fruto de reaproveitamento”, explica o profissional.

Atuando como gerente agrícola de um condomínio de produtores da Mata Norte de Pernambuco, em Timbaúba, ele está ciente de que a estiagem provocou mudanças na paisagem do interior e sabe que não são todos os que têm capacidade financeira para investir na irrigação. “É um processo caro, mas pode levar ao corte de 80 a 100 toneladas por hectare. Esse número já cobre os custos da irrigação, mas ainda assim, só os fornecedores mais estruturados conseguem fazer isso”, explica.

Em Timbaúba, grandes produtores investem na irrigação para proteger o canavial da estiagem (Foto: Marlon Costa/Pernambuco Press)

Em Timbaúba, grandes produtores investem na irrigação para proteger o canavial da estiagem (Foto: Marlon Costa/Pernambuco Press)

Para os que conseguem lançar mão do processo, o resultado não decepciona. Irrigada periodicamente, a cana difere completamente da plantação encontrada nos municípios afetados pela seca. Grandes, fortes e saudáveis, as plantas enfeitam a paisagem com um verde vivo, que simboliza o alto potencial de extração durante o período de safra.

Após o crescimento e o corte, as toneladas saudáveis da cana são compradas pela Cooperativa do Agronegócio dos Associados da Associação dos Fornecedores de Cana de Açúcar (Coaf), que reativou, com auxílio do governo do estado, uma usina no município de Timbaúba. Funcionando há três safras, a usina é a esperança dos produtores que têm perdido grande parte da plantação para a seca e transforma a matéria-prima saudável, cortada no canavial que circunda o espaço, em derivados como açúcar e etanol, gerando lucro e trazendo uma centelha de fé para canavieiros, produtores e usineiros.

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