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Carpinense faz madeira cantar, sorrir e falar

Por Paulo Ferreira

Deus criou o homem do barro (Gn.2-7). Há homens que criam outros da madeira. É o caso do artesão Severino Elias da Silva, o Bibiu das Bonecas ou Bibiu de Saúba, que pensa que suas criaturas, bonecas e bonecos de mulungu são gente.
Bibiu, 47 anos, é filho de outro mamulengueiro famoso, o Mestre Saúba (ele introduziu o mamulengo em Brasília e inventou a boneca que dança). Pai e filho vivem por amor à arte do mamulengo (mão molenga). Na casa 3, da Rua Albéris Coutinho do Rego, Santo Antônio, em Carpina, moram, além de pessoas, bonecos e bonecas. E lá, conversamos com o artista da cultura popular.
Espalhados pelos cantos da casa, fantoches de “pau e pano”, vestidos de chita colorida e florida, com rostinhos engraçados, ganham nomes e parecem prontos para fazer presepadas e uma plateia feliz.
Bibiu confecciona peças de mulungu desde os 10 anos de idade. “Eu nasci e fui criado dentro do mamulengo. Quando criança via meu pai e seu ajudante, o Deo, fazendo bonecos. Comecei lixando, pintando e fazendo o acabamento”, disse. Mas o Mestre Saúba, segundo o filho, não queria que o menino fizesse bonecos para não estragar a preciosa madeira que ele procurava com muita dificuldade nas matas e beiras de rios (o mulungu está em extinção).
Enquanto contava sua história, ele pegava um boneco e lhe dava “vida”, cantando versos e manipulando as marionetes. Ele mostrou uma cicatriz, e disse: “Quando eu tinha cinco anos, olhando papai trabalhar, sem me ver e querer, ele feriu-me no braço”, lembrou.
Bibiu viveu sua infância, em Carpina, jogando bola de gude, de meia e pião, soltando “papagaio” (pipa) e, principalmente, assistindo peças de mamulengo do seu pai e outros bonequeiros. Certa vez ele fez seu primeiro boneco, escondido do pai, que quando descobriu deu-lhe uma “pisa” (surra). “Mas não desisti e, escondido, fazia bonecos”, falou, sorrindo.
Aos 13 anos, vendeu a primeira peça. Uma turista foi à oficina do Saúba para comprar um boneco, mas não havia peças disponíveis. “Foi quando Deo contou que eu fazia bonecos e mandou buscar. Quando dona Lurdinha, irmã de Jarbas Vasconcelos, viu o boneco, disse “é meu”, e pagou o dinheiro a meu pai”. Daí por diante nunca mais parei de fabricar bonecos. Mas papai sempre reclamava dos meus trabalhos”, contou. Com o mulungu, matéria-prima fundamental para o trabalho dos artesãos, Bibiu confecciona seus fantoches que, parecem ganhar vida nas suas mãos. Ele tem estilo próprio. São os “bonecos de galho”. Ele fabrica as peças aproveitando a própria arte da natureza. “Nos galhos secos da árvore já vejo os bonecos”, explica. Ele faz, inclusive, marionetes defeituosas. “Não há gente de boca troncha?”, brinca.
O teatro do mamulengo é a mais autêntica expressão de arte popular com bonecos do País. Nasceu nos engenhos do interior de Pernambuco (versão profana das peças religiosas com que os jesuítas catequizavam o povo), no século passado, mas “não temos o apoio do poder público”, lamentou. “Eu sou apaixonado pelo mamulengo. Foi o dom que Deus me deu. É meu ganha pão. O meu sonho é ver a antiga estação ferroviária de Carpina transformada num museu do mamulengo”, falou, emocionado.
O mestre Bibiu coleciona bonecos de outros artesãos. Tem alguns do Mestre Sólon. “Na minha vida, primeiro é Deus, segundo o mamulengo e minha família”, confessou. Bibiu de Saúba colhe o mulungu no mato (pela madeira, já brigou até com besouros venenosos). Fabrica as peças, manipula, é o folgazão (animador da plateia), inventa os enredos, dirige e produz os espetáculos do seu Teatro de Mamulengo Sorriso Encantado. Severino representa o imaginário popular. Suas criações refletem sentimentos comuns à maioria das pessoas. Pai de seis filhos, Bibiu das Bonecas também é ventríloquo, dança com as bonecas Ivanilda e Nega Maluca e confecciona bonecos gigantes. Ele vende suas peças para turistas de todo o Brasil e alguns países do exterior. Representa Carpina em feiras de artesanato e eventos culturais. Seu trabalho mais recente é muito interessante: refere-se ao próprio mamulengo, onde até os brincantes (manipuladores, interpretes, músicos e autores), assim como o púbico, são bonecos.

Mais informações: 9.9698-7612 e 9.7328-2857.

*Matéria publicada no Jornal Voz do Planalto

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