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FEVEREIRO – Coluna da Embaixada Carpinense

A PRAÇA DE SÃO JOSÉ – Claudemir Gomes – MIMO (carpinense, jornalista, embaixador, tamarineiro)

A construção é simples: primeiro conhecemos a nossa casa, depois rua onde moramos, as outras ruas, a cidade, outras cidades… até nos tornarmos cidadãos do mundo. Os oficiais da Marinha Norte-Americana costumam dizer: “Se quer conquistar o mundo, primeiro faça sua cama”. Enfim, primeiro, as primeiras coisas.

Partindo deste princípio, que nos parece uma regra universal, é comum guardarmos muitas lembranças das ruas onde vivenciamos nossa infância e nossa adolescência. Durante todo tempo que vivi em Carpina tive dois domicílios: um na Avenida Chateaubriand e outro na Rua Frei Caneca, mas confesso que, o logradouro que mais me fascinava na minha cidade natal era a Praça São José.

São muitas as razões para tal encantamento.

Tal qual a maioria das cidades do Interior. Carpina dos anos 60 e 70 era pobre em monumentos. O primeiro a que fui apresentado foi o do Leão, posicionado estrategicamente no início da Praça São José. É como se ali fosse o marco zero da cidade. No meu imaginário tudo começou naquele espaço, a Floresta dos Leões que depois passou a ser conhecida como a cidade dos carpinteiros: Carpina.

A simbologia é o ponto de partida para infindáveis lembranças de um mundo quase encantado resumido numa praça. Quando vinha para o centro da cidade, e chegava no monumento do leão, era como se tivesse chegado ao destino. Me deparava com o salão de sinuca, que meu pai aconselhava não “fazer ponto” para não me viciar em jogo. Mas tinham alguns jogadores cuja habilidade nos forçava a ficar vendo-os em ação. O jogo de bilhar era um desafio a inteligência. Impressionante o domínio que eles tinham do espaço (a mesa) e dos pontos de tabela. Jogar e dificultar a jogada do oponente: eis o desafio. Na outra esquina havia um bar com uma cacimba no meio. Na calçada, uma bomba de álcool. Na frente deste bar, ao lado de um galpão da Rede Ferroviária do Nordeste, ficavam os carros de aluguel.

O pano de fundo da Praça São José era a Igreja Matriz de São José, onde fui batizado, crismado e fiz primeira comunhão. Recordo de quatro pároco: Padre Petronilo, Padre Genaro e Padre Rolim. A igreja era ladeada pela Ação Paroquial de Assistência Social e pela casa do padre. Um pouco mais atras, o Colégio Pio X, do professor Resende, uma das maiores referencias da história da educação de Carpina. 

A Praça São José, homenagem ao padroeiro da cidade, São José, o santo carpinteiro, era o lugar onde o religioso e o profano conviviam harmoniosamente. Aos domingos após a missa campal, as 19j, começava o ti-ti-ti dos passeios e paqueras. Logo os grupos eram formados. Havia uma disputa pelos bancos da praça, mas os passeios rendiam bons namoros. Sem duvida aquela era a passarela mais famosa da cidade. Um verdadeiro desfile de moda. As moças apresentando seus modelitos com penteados recheados de esponjas de aço, mas antes preparados com gigantescos bobes e as resistentes toucas. Algumas apelavam para o ferro quente. Os rapazes exibiam as novas calças boca-de-sino, de nycron (o famoso senta e levanta e não perde o vinco) e tergal. Lula, Zé Leite, Jairo, Edvaldo (Preá) e Wilson Brito, que a época integravam o elenco de juvenil do Náutico chamavam a atenção com os “lançamentos”, calças confeccionadas pelo renomado alfaiate – Barbosa – do Recife, o preferido por nove em dez jogadores do Náutico, o time sensação do Estado, na época construindo sua inesquecível campanha do hexa. O sapato preferido dos boys era Motinha, a coqueluche dos anos 60.

De tanto passear na Praça São José acabávamos conhecendo, e estreitando a amizade com quase todos os moradores: A casa de seu Chico perna-de-pau nos chamava a atenção pela sua arquitetura e pelo carro Studbaker que vivia estacionado no terraço. Seu Costinha e dona Mariinha, casal referencia na cidade. Família exemplar: religiosa e unida. Na casa do seu Costinha até o papagaio rezava. Muitas vezes rezei o terço junto com todos da família: Jesus, Carminha, Deca, Cocota, Auxiliadora, Zé Maria, Domingos, Bosco e Alexandre.

Mais adiante tinha a casa de dona Maria do Carmo, Odineide, Noca, Gil, Itagiba e André. O conhecidíssimo Zé do Álcool; os irmãos Gilson e Gilvan. Os habitantes da praça gostavam de ficar sentados na calçada observando o vai e vem da juventude. Os irmãos, Zita, Nalva, Adelson, Ednaldo… Mais próximo a igreja, a casa de Abelardo, Miriam, Selma e Dione, que eram vizinhos de seu Sinô e dona Dondon, pais de Glauce, Maria de Jesus, Giovana e Necinha. Lá também moravam Lia e Toinho Bocão, maior corneteiro da banda marcial do Salesiano. 

Do outro lado da rua, vizinho ao prédio da prefeitura, morava seu Marcos, um misto de ourives e artesão em prótese dentaria e dona Alice, que também tinham uma prole grande: Zito, Nilson, Severino Marcos, Adeilda, Adelma e Severina. Mais adiante morava Joca de Sá e Socorro. Impossível relembrar todos os nomes, até porque a população é nômade. 

Os shows da Ação Paroquial de Assistência eram inesquecíveis. Momentos de grande visibilidade para cantores domésticos e ídolos e conjuntos que já faziam sucesso no Estado e começavam a conquistar espaço em outras praças. Foi naquela ação bem amadora que Carpina revelou parra o Brasil um dos maiores comunicadores da época. Paulo Marques, personagem icônica na história da radio e da televisão pernambucana, que também foi destaque na politica (deputado Estadual e Federal).

Dia desses, mexendo em meus alfarrábios, encontrei um monóculo com uma foto minha e de Paulo Marques na Praça São José. Estávamos sentados num dos bancos. Registro de sua tentativa de me ensinar a tocar violão, coisa que nunca aprendi por não ter nem vocação, nem talento. Naquele espaço também vivi minhas primeiras “aventuras e emoções” automobilísticas na condição de copiloto no Jeep pilotado por Rodolfo. Loucura! A adrenalina ia lá pra cima. Ninguém conseguiu fazer aquele bordado da Praça São José como Rodolfo. Ele tinha o domínio da distância entre os canteiros, e sabia qual a velocidade e marcha que deveria entrar e sair no curto espaço de tempo entre uma curva e outra. Os moradores se assustavam com tanta loucura. Surgiram muitos imitadores e seguidores, mas nenhum apresentou a habilidade, nem a precisão cirúrgica com a qual Rodolfo dava o seu show particular.

Duas mudanças – a construção da nova Matriz de São José e a construção do novo prédio da Prefeitura – não chegaram a descaracterizar a praça, mas causaram grande impacto no clima bucólico.  Sinais dos tempos. A demolição do velho tempo mudou a geografia do espaço. A nova sede da Prefeitura pelo prefeito Carlos lapa, provocou uma dinâmica característica das cidades em crescimento. Apesar das causas e efeitos a Praça São José se mostrava resistente a uma invasão comercial, mantendo sua vocação residencial.

Foi ali, na Praça São José que surgiu a primeira agência bancaria da cidade: O Banco Econômico da Bahia. Anos depois, na outra esquina, separado apenas pelo monumento do Leão, foi inaugurada a agencia do Banco do Brasil.

Todas as vezes que vou a Carpina, faço questão de passar pela Praça São José. De imediato me vem a mente uma porção de lembranças. Vejo o monumento com o Leão solitário, altaneiro, porte imperativo como se estivesse repassando a mensagem: Daqui eu vejo o mundo.

E foi justamente daquele marco, na entrada da Praça São José, que comecei a me transformar num cidadão do mundo.

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