Destaques Sem categoria

História: Tiradentes e os movimentos separatistas

Joaquim José da Silva Xavier, Tiradentes, está na memória dos brasileiros como o mártir da Independência. Foi considerado o primeiro mártir das lutas libertárias. Mas não foi o primeiro a defender a ideia separatista.
Tudo começou em 1 de abril de 1641. Por decisão imediatista dos colonos paulistas, depositou-se na pessoa de Amador Bueno da Ribeira o compromisso de governar a capitania. Um grupo de bandeirantes convocou Bueno, que tinha experiência administrativa como capitão-mor e ouvidor de São Vicente, a serviço da Corte portuguesa, para separar São Paulo do resto do Brasil e de Portugal. O “Aclamado” abdicou da proposta. Prontamente ergueu a espada diante dos que o aclamavam não para gritar a independência, mas para dar vivas ao rei de Portugal, D. João IV. Recebeu ameaças por desacato e teve que se refugiar no mosteiro beneditino procurando proteção do abade e de seus monges.
Já no Nordeste, com o fim do domínio espanhol sob Portugal, em 1640, veio o interesse dos colonizadores do Brasil em recuperar essa região, expulsando os holandeses. Coincidentemente nesse período, os senhores de engenho da região estavam descontentes com a administração holandesa. Isso porque, logo após a partida de Maurício de Nassau, a Holanda resolveu explorar ao máximo a produção do açúcar brasileiro, aumentando os impostos e contrariando os interesses dos proprietários de engenho. Em 1645, a revolta contra os holandeses ganhou força em Pernambuco. O líder era o paraibano André Vidal de Negreiros, que junto com o português e senhor de engenho, João Fernandes Vieira, Henrique Dias e o índio Poti (mais tarde, Filipe Camarão), comandaram a guerra bem sucedida contra os invasores. A batalha ficou conhecida como a Insurreição Pernambucana. Outros confrontos viriam a exemplo do ocorrido no Monte das Tabocas (1645) e dos Guararapes (1648-1649). Por fim, em 1654, os holandeses se renderam, sob o acordo de Campina da Taborda.

Beckman
Ainda no final do século XVII, os irmãos Manuel e Tomás Beckman passaram a liderar um grupo de manifestantes, cujo objetivo era exigir a melhora das relações entre Maranhão e Portugal. No dia 24 de fevereiro de 1684, enquanto o governador do Maranhão estava ausente, o grupo invadiu algumas repartições de São Luís. Prenderam o governador interino, ocuparam os colégios jesuítas e saquearam os galpões da Companhia de Comércio. Por quase um ano, Manuel Beckman, conhecido como Bequimão, controlou uma junta revolucionária que tomou o poder político da província.
Nesse período Tomás Beckman dirigiu-se a Portugal a fim de reafirmar lealdade às autoridades lusitanas e denunciar as infrações cometidas pela Companhia de Comércio. Portugal não negociou como se esperava, e para conter o levante nomeou um novo governador para o Maranhão, além de enviar tropas preparadas para por fim ao movimento. Os irmãos Beckman e Jorge Sampaio foram condenados ao enforcamento. Os demais envolvidos foram condenados à prisão perpétua.

Mascates
No início do século XVIII a população do Recife crescia com a vinda de estrangeiros, sobretudo escravos trazidos da África e negociados no porto. A economia, majoritariamente canavieira, dava espaço para a produção do algodão. Olinda era a principal cidade de Pernambuco. Lá moravam ricos senhores de engenho. Uma guerra de preços do açúcar no mercado europeu, fez com que eles pedissem dinheiro emprestado aos comerciantes de Recife. Estes haviam solicitado ao rei de Portugal que o povoado fosse elevado a vila, o que foi atendido pela Carta Régia de D. João V, aprovando a mudança. Recife passou a ter pelourinho e Câmara Municipal. Isso ocorreu em 1710. Nesse período em que os portugueses ocuparam majoritariamente o comércio local, foram fixando-se no bairro antigo do Recife, enquanto os pequenos comerciantes, brancos, negros e pardos ocuparam o bairro de Santo Antônio. Conhecidos como mascates, os lusos logo seriam combatidos pelos pernambucanos que planejaram um movimento armado para fundar uma república autônoma.
Diz Capistrano de Abreu que, com a vacância do lugar de governador deixado por Sebastião de Castro e Caldas, em 1710, o proprietário de engenho Bernardo Vieira de Melo propôs a proclamação de uma república “à moda de Veneza”. Quando estava sendo concretizada a separação entre as duas cidades, os senhores de Olinda se revoltaram. O mais destacado chefe deles foi o próprio Bernardo.
O preço de sonhar com a independência seria a retaliação da Coroa Portuguesa. Teve início a Guerra dos Mascates que resultou na prisão de 160 pessoas, 90 delas no Recife. As outras 70 em Olinda e cidades do interior. Das 90 pessoas, 11 foram enviadas para Lisboa, 24 soltas sob fiança e 55 tiveram o perdão geral. “As demais, como não tiveram grande participação na guerra foram logo soltas”. Entre os presos estavam o coronel Leonardo Bezerra Cavalcanti, Bernardo Vieira de Melo e o comissário geral Manoel Bezerra Cavalcanti. Conforme registros da época “cerca de quatrocentos olindenses (ou apoiadores) se refugiaram nas matas durante quase três anos temendo represálias”.
Sem condição de resistir, os comerciantes mais ricos de Recife fugiram para não serem capturados. Voltaram em 1711 a contra-atacar, ao invadir Olinda e incendiar vilas e engenhos na região. A metrópole interveio novamente, prendendo os líderes da rebelião. Com a perseguição geral, um grupo refugiou-se nas florestas do arraial de Tracunhaém. Contava com cerca de 400 homens e tinha por líder Leão Falcão Eça. Mais tarde ficaria conhecida como Liga de Tracunhaém.
Com a vitória dos comerciantes, a guerra chegou ao fim. O Recife estava tão independente quanto Olinda.

Inconfidência
Na última década do século XVIII a rainha D. Maria I foi afastada dos negócios públicos. Ela sofria de doença mental e seu filho primogênito, D. José, príncipe da Beira e duque de Bragança, primeiro na linha de sucessão, falecera havia quatro anos. Por isso coube ao príncipe D. João assumir o governo em nome da mãe, na condição de regente.
D. João contava com uma Corte de conselheiros experientes politicamente. Uma de suas preocupações era que nos domínios coloniais as rebeliões seguiam os ideais iluministas. Entre 1786 e 1794 ocorreram movimentos dessa natureza em Goa (na Índia), em Minas Gerais e no Rio de Janeiro.
Diferente do que ocorrera na Índia, no Brasil o movimento teria maiores ambições. Minas contava com 80 mil habitantes dos quais 8% eram brancos e a maioria era de negros livres ou escravos. O movimento mineiro tinha como líderes Joaquim José da Silva Xavier (Tiradentes), alferes, minerador e tropeiro; Cláudio Manuel da Costa, advogado, minerador e poeta; Inácio José de Alvarenga Peixoto, advogado; Tomás Antônio Gonzaga, advogado e poeta; Oliveira Rolim, padre e outros.
Filho de um pequeno fazendeiro, Tiradentes era, talvez, o que tinha menores condições financeiras entre os inconfidentes. Já passava dos 40 anos e não fora promovido de cargo dentro da 6ª Companhia do Regimento Regular de Cavalaria. Possuía uma pequena fazenda, cinco escravos, uma casa e era farmacêutico, notável conhecedor da função das plantas medicinais, além de tirar e implantar dentes.
Minas Gerais sofria com a cobrança de impostos. A metrópole havia decretado leis que dificultavam o desenvolvimento industrial e comercial da colônia. Em 1785, por exemplo, Portugal decretou uma lei que proibia o funcionamento de indústrias fabris em território brasileiro. No mesmo período a grande extração de ouro, principalmente naquela região, começava a ter um declínio.
Mesmo com a produção de ouro reduzida, a Coroa manteve a cobrança de impostos sobre o produto numa cota anual de cem arroubas (1500 quilos). Caso essa exigência não fosse cumprida, o governador decretaria a Derrama, imposto individual e proporcional aos rendimentos de cada colono contribuinte, podendo até confiscar seus bens para saldar as dívidas. Registros da época mostram que em 1789 os mineiros deviam cerca de 530 arroubas em impostos não pagos nos anos anteriores. Isso correspondia a quase 7.950 (sete mil novecentos e cinquenta) quilos de ouro ou oito toneladas.
A derrama foi o maior motivo de os conspiradores se mobilizarem. Estavam insatisfeitos com D. Luís da Cunha Menezes, que governou até 1788 sendo substituído por Luís Antônio Furtado de Mendonça, visconde de Barbacena. Este último foi recebido com hostilidade por parte da elite mineira que detinha o poder político-econômico. Para apaziguar a revolta, Barbacena decidiu suspender a Derrama por um curto período, porém a ameaça de confiscar os bens por parte da metrópole permanecia.
Então os conspiradores Cláudio Manoel da Costa, Tomás Antônio Gonzaga, Carlos Correia de Toledo, Oliveira Rolim, Joaquim Silvério dos Reis e Tiradentes combinaram de deflagrar o levante caso a derrama fosse decretada. Para isso pretendiam tornar Minas independente, implantar uma república e criar uma universidade pública na cidade de Vila Rica, atual Ouro Preto. Cabeira a Gonzaga, ex-ouvidor, governar no regime republicano por três anos até que fossem realizadas eleições.
Chegou março de 1789 e o governador Barbacena não tinha perspectiva de decretar a derrama. Resolveu chamar os devedores para acertar as contas com a Fazenda Real. O coronel comandante do Regimento de Cavalaria Auxiliar de Borda do Campo, Joaquim Silvério dos Reis, viu a oportunidade de obter o perdão das dívidas e por isso delatou os companheiros deixando o projeto de independência apenas no sonho.
Silvério de fato teve como recompensa o perdão das dívidas pessoais com o governo. Foram presas e levadas para o Rio de Janeiro 34 pessoas com o processo crime por inconfidência. Alguns integrantes foram condenados à prisão e ao degredo na África. Foram condenados à forca por esquartejamento: Alvarenga Peixoto, Álvares Maciel, Oliveira Lopes, Luís Vás, Freire de Andrade e Tiradentes. Enforcado, Tiradentes foi o único a ter o corpo esquartejado.
Os inconfidentes não tinham posição definida para por fim à escravidão. Mas chegaram a criar uma nova bandeira. Ela é composta por um triangulo vermelho num fundo branco, com a inscrição em latim: Libertas Quae Sera Tamen (Liberdade ainda que Tardia). Depois adotada pelo estado de Minas Gerais.

Conjuração
De 1788 a 1801 Fernando José de Portugal e Castro governou a Bahia. A população estava insatisfeita e queixava-se dos preços das mercadorias básicas que eram elevados todos os dias. As opressões vinham de longe. Começaram desde a transferência da capital para o Rio de Janeiro, em 1763. Salvador (antiga capital) perdera privilégios e recursos financeiros. Também o aumento dos impostos e as exigências aos colonos agravaram as condições de vida dos baianos. Eles começaram a saquear açougues, mercados e vendas no geral, a fim de obter comida. “No Sábado de Aleluia de 1797, por exemplo, os escravos que transportavam carne destinada ao general-comandante de Salvador foram atacados pela multidão faminta”.
Foram seis os principais motivos de revolta da Conjuração Baiana: a abolição da escravidão (diferente de outras revoltas que propunham apenas um governo igualitário, onde todos têm direitos e deveres individuais), a proclamação da República, a diminuição dos impostos, o livre comércio, especialmente com a França, o fim do preconceito e o aumento salarial. Essas ideias foram divulgadas em panfletos escritos por Luiz Gonzaga das Virgens, miliciano, e Cipriano Barata, médico e filósofo, principal líder da revolta que tinha grande influência da maçonaria e do Iluminismo francês. Barata ficou conhecido como o médico dos pobres. Destacou-se como um dos mais combativos jornalistas brasileiros do período imperial, sendo contemporâneo de José Bonifácio de Andrada e Silva e de José Egídio Alves de Almeida.
O movimento estourou na Bahia no dia 12 de agosto de 1798. Os membros da revolta distribuíram e pregaram os panfletos sobre o movimento em frente a igrejas e nas ruas de Salvador, quando foram presos pelas autoridades. Em um dos panfletos estava escrito: “Animai-vos Povo baiense que está para chegar o tempo feliz da nossa Liberdade: o tempo em que todos seremos irmãos: o tempo em que todos seremos iguais”.
Os conjurados foram reprimidos mais rigorosamente do que os da Inconfidência Mineira. Tudo leva a crer que a causa do castigo é que a Coroa portuguesa temia uma rebelião ainda maior por parte dos negros e mulatos que compunham quase 80% da população baiana. Centenas de pessoas foram denunciadas, entre eles militares, funcionários públicos e padres. Quarenta e nove dessas foram presas. No ano seguinte alguns membros do movimento foram enforcados a exemplo do alfaiate Manuel Faustino dos Santos Lira, do soldado Luís Gonzaga das Virgens e o mestre alfaiate João de Deus Nascimento. Os restos mortais deles foram colocados em praças públicas para servir como exemplo àqueles que lutavam contra a Coroa.

Revolução Pernambucana
Em 1816, os pedreiros livres de Pernambuco se colocavam abertamente contra o colonialismo. A ideia de implantar uma república avançava teoricamente, mas ainda não saíra do discurso.
A Corte quase sempre fazia propostas de acordos muitas vezes não cumpridos. O governador da província, Caetano Pinto, por fim convenceu-se de que os pernambucanos não aceitavam de bom grado as imposições da Corte. A partir daí, quando recebia ordens para criar novos impostos, alertava, através de ofício, sobre o momento tenso de insatisfação da população da província.
Os problemas a serem administrados pelo governador eram muitos. Alcançavam proporções além daquilo que ele poderia dar conta e envolviam comerciantes, latifundiários do norte da província, militares e padres. Pessoas das classes populares e negros livres também almejavam uma vida insubordinada às autoridades constituídas, tanto as civis quanto as militares.
Caetano Pinto foi procurado pelo Desembargador José da Cruz Ferreira, Ouvidor da comarca do Sertão, no dia 1 de março de 1817. Ferreira fora informado pelo negociante português Manuel Carvalho de Medeiros de que o “partido dos brasileiros” planejava a morte dos portugueses da província. No dia seguinte, Manuel esteve com o governador para dar maiores explicações do motim. Ele revelou que o professor de geometria José Maria de Vasconcelos Bourbon, português nascido no Recife, após curta viagem à Europa, voltou com “novas ideias”.
Além de Domingos e José Maria, foram denunciados o padre João Ribeiro, Antônio Gonçalves da Cruz Cabugá, Vicente Ribeiro dos Guimarães Peixoto, Domingos Teotônio Jorge, José de Barros Lima, Pedro da Silva Pedroso, Antônio Henriques Rabelo, José Mariano de Albuquerque e Manuel de Souza Teixeira.
Certo da revolta, o governador expediu aos regimentos uma “ordem do dia” e uma proclamação à população no dia 5, além de convocar para o dia 6 um Conselho de Guerra. Do Conselho participaram o próprio Caetano, o marechal José Roberto Pereira da Silva, os brigadeiros Gonçalo Marinho de Castro, Antônio Salazar Moscoso e José Peres Campello, e o tenente-coronel Alexandre Tomás de Aquino Siqueira. Eles decidiram prender todos os denunciados no mesmo dia. José Roberto Pereira encarregou-se da prisão dos civis. Os militares seriam detidos por Moscoso em Olinda e por Manoel Joaquim Barbosa de Castro no Recife, comandantes dos respectivos corpos. Tinham ordem para prender os comerciantes Domingos José Martins e Cruz Cabugá, o padre João Ribeiro, os tenentes Manuel de Souza Teixeira e José Mariano Cavalcanti, os capitães Domingos Teotônio Jorge e José de Barros Lima.
Entre os acusados de conspirar pela independência no quartel de Artilharia do Largo do Paraíso, no Recife, estavam os capitães Domingos Teotônio Jorge, José de Barros Lima e Pedro da Silva Pedroso. Antônio Rabelo e José Mariano, tenentes, completavam a lista. Responsável por prendê-los, o brigadeiro português Barbosa de Castro assumiu uma postura mais rígida que de costume.
Todos os oficiais (portugueses e brasileiros) estavam armados e divididos em duas filas no pátio do quartel. O brigadeiro começou a repreendê-los severamente. Disse que havia conspiração contra a Coroa portuguesa e que em seu regimento é que estavam os principais agitadores. Dirigindo-se a Teotônio Jorge, deu-lhe voz de prisão e o insultou. Em seguida o brigadeiro português voltou-se para José de Barros Lima, o Leão Coroado. Chamou-o de “canalha”, e sugeriu que o Leão Coroado era frouxo e que certamente se acovardaria naquele instante e muito mais quando estivesse indo em direção à forca. Barros Lima reagiu. Barbosa nem concluiu o discurso. O Leão Coroado enfiou-lhe a espada no abdômen, numa rapidez incomum. Em seguida o tenente-secretário José Mariano de Albuquerque avançou contra o brigadeiro dando-lhe várias estocadas com a espada. Barbosa morreu em seguida.
Pedro da Silva Pedroso estava ao lado de Barros Lima no ocorrido. Empunhou a espada do Leão Coroado ainda suja de sangue e, voltado para a tropa, ergueu-a bem alto e saiu pelas ruas dando vivas à liberdade. Ali formava-se o governo republicano que durou 74 dias em Pernambuco.
O movimento pernambucano foi um grande momento da história brasileira. Procurou efetivar a identidade da nação. O espírito de brasilidade desabrochou porque foi aí que materializou-se a ideia patriótica da liberdade e do civilismo.
A Revolução Pernambucana mostrou-se mais agressiva que outros movimentos. Mesmo a Inconfidência Mineira mostrou-se um tanto romântica. Desafiava um poder distante, pois a Corte estava em Portugal. O levante de 1817, pelo contrário, afrontou a Coroa portuguesa já no Rio de Janeiro. Portanto, aquilo que ficou como um sonho para os líderes da Inconfidência, para os pernambucanos foi uma realidade. O separatismo apressou o Grito de Independência de 1822, conquista do povo brasileiro chancelada por um português.

Deixe um comentário