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HOMENAGEM// Perfil Gino César-  O senhor Bandeira 2

O locutor do programa Bandeira 2 da Rádio Jornal, Gino César, faleceu na madrugada desta terça-feira (17), após um infarto fulminante, na UTI do Hospital Hapivida do Espinheiro. Ele foi internado em agosto com problemas cardíacos, descobriu uma insuficiência renal e teve um agravamento na já conhecida dificuldade para respirar.

Para homenagear esse mito do radiojornalismo pernambucano o Voz do Planalto divulga uma entrevista exclusiva com Gino César realizada pelas jornalistas Thatiane Teixeira e Josi Marinho. A matéria foi publicana na edição da Revista Lide, um Trabalho de Conclusão de Curso, da Faculdade Joaquim Nabuco. Acompanhe a entrevista:

LIDE- Como o senhor iniciou sua carreira no rádio?

GINO CÉSAR- Comecei a carreira como ator de radionovelas, em 1955, e trabalhei como ator de rádio e televisão os anos 60, na Rádio Clube e na extinta TV Tupi. Antes eu trabalhava como motorista de táxi.

LIDEÉ dessa época que vem o nome Gino César?

GINO CÉSAR- Sim. Recebi esse nome de duas amigas que trabalhavam comigo no radioteatro.

LIDE- O que o senhor faz nas horas vagas?

GINO CÉSAR- Eu gosto de ficar em casa com a família. Nos finais de semana cuido dos pássaros em meu sitio. Não gosto de festas, nem de badalações. Além disso, não bebo.

LIDE– Sabemos que, devido ao horário de trabalho, a convivência familiar ficou um pouco difícil. Como o senhor consegue conciliar a família e o trabalho?

GINO CÉSAR- Sempre foi difícil. Até hoje não lembro da data dos aniversários de ninguém. Não sou chegado a participar de festas. Mas tenho uma convivência boa com todos.

LIDE- Como ocorreu a mudança de estilo radiofônico? Das novelas ao programa de maior audiência do estado?

GINO CÉSAR- Na época foi uma oportunidade que surgiu. Na Rádio Clube, estavam precisando de uma pessoa para fazer um programa policial e eu fui convidado.

LIDE– Como o senhor explica o sucesso de quatro décadas dos seus programas policiais?

GINO CÉSAR- Simples. O povo gosta de violência. O povo tem curiosidade em relação aos crimes. Além de que se sentem carentes dos serviços de utilidade pública que oferecemos. Também não podemos esquecer que o povo tem na imprensa de uma forma geral um defensor  contra a arbitrariedade dos poderes.

LIDEQual a verdadeira finalidade das denúncias em um programa de jornalismo popular?

GINO CÉSAR– Despertar a atenção das autoridades constituídas para os problemas questionados. Funcionamos como um porta-voz dos poderes públicos.

LIDEPara o senhor, qual a diferença entre jornalismo investigativo e o jornalismo denúncia?

GINO CÉSAR- Investigativo vai atrás, procura, antes de divulgar. Porém nem todo assunto compete ao jornalismo investigativo. Em alguns casos, seria perda de tempo e trabalho em vão, pois o resultado da investigação, o produto, já está na própria denuncia. O jornalismo denuncia já tem seu assunto e depende da sensibilidade do profissional que a recebe.

LIDE- De onde veio o nome Bandeira 2?

GINO CÉSAR- Não lembro exatamente como começou, não guardo datas. Mas lembro que foi numa época em que ocorreram vários assaltos a motoristas de táxi. Por esse motivo, surgiu o Bandeira 2.

LIDEEntre os fatores que o tornaram conhecido em todo o estado de Pernambuco, a forma como as notícias são transmitidas chama bastante atenção. Como o senhor desenvolveu esse estilo de narrar os fatos?

GINO CÉSAR- Eu queria criar uma identidade própria, quase um personagem, para as pessoas poderem identificar mais facilmente quem eu era.

LIDE- Qual o objetivo/intenção de usar chavões como “E atenção!” na hora de transmitir as noticias?

GINO CÉSAR- É justamente chamar a atenção para a matéria a ser apresentada, criar um clima e como dito anteriormente, diferenciar, criar um estilo próprio.

LIDE- As denúncias no jornalismo policial (criminalidade, segurança e PMs) têm que ser tratadas com maior cuidado do que as denúncias de outros  setores?

GINO CÉSAR- Toda denúncia merece um certo cuidado. Na área policial, o cuidado é acima de tudo com a sua segurança e com as prováveis ações que serão impetradas na Justiça contra o profissional que denunciou.

LIDE- Existe alguma exceção na divulgação de uma denúncia, o que pode ou que não pode ir para o ar?

GINO CÉSAR- A censura acabou, mas o profissional tem que ter a sensibilidade do que vai falar, escrever ou enfocar de uma forma em geral. É ai que entra um pouco do jornalismo investigativo.

LIDE- O senhor já passou por alguma situação de risco?

GINO CÉSAR- Já. Várias vezes, tanto eu quanto minha família. Por muitos anos eu precisei andar armado, além de ter tido a casa e o carro alvejados por balas. Coincidência ou não, todas as vezes que denunciava os maus policiais, sofria ameaças. Uma vez ligaram para minha casa dizendo que queriam me matar. O meu filho Ricardo, que na época tinha uns 6 anos, atendeu a ligação. Como conversávamos sobre isso entre a família, ele calmamente respondeu ao bandido que ele poderia me matar, que depois a família encontraria o corpo. Hoje, felizmente as ameaças cessaram.

LIDE- Como é o relacionamento com as fontes?

GINO CÉSAR- É baseado na confiança e credibilidade. Não é preciso que sejamos amigos, mas que tenhamos um bom relacionamento, baseado naqueles princípios e nos ideais de justiça e ética.

LIDE- Como o senhor se relaciona com a polícia?

GINO CÉSAR- Tenho grandes amigos na polícia, tanto Civil, quanto Militar. Posso dizer que tenho uma boa relação com a segurança pública de modo geral. Já recebi muitas ameaças e já sofri atentados. Quando a barra estava muito pesada andava armado, hoje a coisa está mais tranquila.

LIDE- Qual o pior episódio que o senhor presenciou em sua carreira?

GINO CÉSAR- O pior episódio que presenciei, e que me marcou durante a carreira, não foi policial. Até hoje eu lembro e fico chateado: foi um desastre na BR-101, em Paulista. Bateram uma Kombi e um ônibus. Morreram dezenas de pessoas: eram mulheres, crianças, homens, corpos destroçados, esbandalhados. Foi uma coisa terrível de presenciar.

LIDE- De onde veio o costume/hábito de usar chapéu?

GINO CÉSAR- Este vício começou por causa de um agente chamado Cabinho. Ele foi pro interior caçar um criminoso e trouxe um chapéu de palhinha. Quando chegou, eu estava na delegacia de plantão de madrugada, e ele me disse: “Se as pontas deixarem e o chapéu assentar, é teu”. Deu direitinho. Como na época eu saía não só à noite, mas também de manhã, eu ficava com ele noite e dia. Quando estragou veio um delegado e me deu outro. Na terceira vez, mesma coisa. Um dia cheguei sem chapéu, por que o último tinha acabado, e os policiais reclamaram: “Você sem chapéu não é o Bandeira 2”. Agora, eu não tiro por nada, fiquei viciado.

LIDE- Como se deu a mudança da Rádio Clube para a Rádio Jornal?

GINO CÉSAR- Não foi assim de uma pra outra. Saí da Rádio Clube e fui pra Rádio Olinda, depois passei pela Rádio Tamandaré, de onde saí para a Rádio Jornal, onde estou até hoje.

LIDE- Qual o papel o jornalista na sociedade?

GINO CÉSAR- Funciona como um porta-voz. Deve ser imparcial. Opinar só se ele estiver completamente inteirado do assunto. Existem denúncias que, se o profissional que está denunciando não der uma alfinetadazinha, caem no vazio. Temos que fazer valer a nossa credibilidade ante as pessoas que confiam na imprensa, considerada o quarto poder.

LIDE- O senhor acha que os índices de violência aumentaram ao longo dos anos?

GINO CÉSAR- A violência hoje está gratuita. Mata-se por qualquer motivo. Antes existia uma relação menor de crimes. Hoje os criminosos estão ampliando o leque de atuação, acompanhando as novas tecnologias. O anormal está normal. A violência sempre existiu em menor escala – e consequentemente menor divulgação. Hoje a violência está mais explícita. A todo instante, a toda hora.

LIDE- O senhor se considera um mito do rádio de Pernambuco?

GINO CÉSAR- Sou uma pessoa comum, tenho defeitos e qualidades. Não me considero um mito.

LIDE- Por sua trajetória profissional, o senhor serve de exemplo para os jovens jornalistas e para aqueles que ainda estão na faculdade. Na sua opinião, quais os princípios básicos de um bom jornalista?

GINO CÉSAR- Independência, credibilidade, coragem e responsabilidade. E, como em todas as profissões, ética e honestidade.

LIDE- Até quando o senhor pretende trabalhar?

GINO CÉSAR- Só o tempo vai dizer.

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