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MOSAICOS DE UMA HISTÓRIA – CLAUDEMIR GOMES

COMENTÁRIO: Mais uma vez voltamos a apresentar um texto de nosso Embaixador Claudemir Gomes. Trata-se de uma verdadeira epopeia dentro de nossa história carpinense.

O amigo Mauro Barros me intimou para contar um pouco da história da Churrascaria O Bom, construída por meu pai, Jaime Gomes, nos anos 70, em Carpina, e que, por duas décadas, foi o point mais disputado da Mata Norte do estado. Confesso que acreditei que fosse tirar de letra. Ledo engano. Me perdi nas lembranças, tropecei na emoção.
Tudo começou com o espírito empreendedor revelado pelo velho Jaime Gomes, que até então tinha uma vida ligada ao seguimento de transporte e, de repente, monta um estabelecimento comercial de grande sucesso. Junto com ele, dois protagonistas que foram decisivos na realização do sonho e conclusão do projeto: Fernando Monteiro e João Ferreira Cavalcanti (Joãozinho Fiscal).
Fernando Monteiro tinha como projeto de vida se formar em arquitetura. Não conseguiu realizar seu grande sonho, mas revelou toda a sua vocação e criatividade através do projeto arquitetônico da Churrascaria O Bom. Esmerou-se na definição de todos os detalhes: paredes com tijolo aparente e grades de bambu; iluminação com lustres feitos de garrafas; parede decorada com fundos de garrafas em forma de meia lua; logomarca; letreiro externo; jardins… O projeto original ficou impecável.
O “engenheiro” da obra foi Joãozinho Fiscal. A experiência adquirida à frente de obras municipais lhe transformou num grande mestre. Ele abraçou o projeto de corpo e alma. Houve um estreitamento de amizade tão grande que o sentimento era de que eu e minha irmã, Ana Carolina, havíamos recebido de presente um irmão mais velho.
Mas a história do Bom transcende a barreira estática de um equipamento comercial que fez sucesso por quase duas décadas. Aquela churrascaria tinha alma, fato que levou gerações a guardar lembranças e nutrir saudades. Sabemos que só sentimos saudade daquilo que nos fez bem. Em síntese, a história do BOM é um grande painel formado por mosaicos coloridos que traduzem momentos inesquecíveis vivenciados por centenas, milhares de frequentadores.
O poeta, Carlos Pena Filho, conclui o poema, “Chopp” que fez em homenagem ao Bar Savoy, point mais frequentado de um Recife antigo, com o seguinte verso: “Por isso no Bar Savoy/o refrão é sempre assim:/são trinta copos de chopp/são trinta homens sentados/trezentos desejos presos/trinta mil sonhos frustrados”.
Ao contrário do Savoy, no Bom não havia desejos presos, e eram poucos os sonhos frustrados. A churrascaria abrigava todas as tribos, e não apenas os boêmios da cidade e da região. Sem sombra de dúvidas, era o lugar mais bem informado de Carpina, e da região, apropriado para confidências e inconfidências. O lugar ideal para almoços de negócios, pequenas conferências, reuniões sociais e confraternizações. Lá se pesquisava tudo: da agenda do prefeito de plantão a vida privada de quem interessava.
O palco da vida do inesquecível Daniel Calazans, um dos maiores cantores da noite pernambucana, que nasceu para a cena musical do estado cantando e encantando no Bom. Foi o maior interprete das músicas de Benito de Paula que conheci.
Não podemos esquecer outros protagonistas como Adalberto do saxofone, de Limoeiro, Vital Bione, outra fera cujo passatempo era dizer o nome das pessoas de trás pra frente. Daniel Nunes Filho, que afaga nossas lembranças com lives extraordinárias. As meninas iam ao delírio quando o simpático Romeu Câmara cantava OnlyYou. Foram muitos os nomes que brilharam no palco do Bom, fazendo shows ou simplesmente dando uma “canja”.
Torno a repetir: aquele equipamento tinha alma.
Sua história se confunde com a dos grandes teatros que abrigam inúmeros protagonistas. Atores de comédias, de dramas amorosos e suspenses. Isso mesmo. O Bom foi palco de comédias como a que Rui Salgado protagonizou durante um carnaval ao aparecer, em pleno salão, todo enrolado de papel higiênico cantando: “Banana não tem caroço/ quem foi que te falou que a minha… tinha osso? Certa vez, o surpreendente Mineco arranjou uma namorada e parou o carro a uns três metros da churrascaria e mandou chamar o garçom. O casal estava nu dentro do fusca. Logo a notícia se espalhou e todos correram pra ver a cena. No dia seguinte, o velho Jaime Gomes, que gostava de Mineco como um filho, o chamou e disse que o juiz queria prendê-lo. Mineco foi pra casa e ficou escondido debaixo da cama.
São muitos os causos protagonizados por figuras emblemáticas de uma época. Como todo palco que se preza, também são inúmeros os registros de histórias de tapas e beijos. Namoros iniciados, casamentos consolidados, divórcios e frustrações.
Não poderia cometer o pecado da omissão com os colaboradores: os garçons, Bio Grande, Bacana, Genival, Locha, Ney (o mancha)…; a turma dos bastidores, Zequinha, o primeiro cozinheiro, Dona Maria… João, que começou como vigia e se tornou uma espécie de faz tudo. Enfim, todos que vestiram aquela camisa com muita dedicação.
O Bom pulsava junto com o coração do seu dono, o velho Jaime Gomes, que por conta de problemas cardíacos teve que pôr fim a essa história. Primeiro alugou o equipamento a Amaury e em seguida foi vendido a Rui Torres.
Uma história que nunca teve um ponto final por ser montada com mosaicos sentimentais.

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