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Quando o assassino é a própria vítima

O suicídio vem sendo, através dos tempos, um tema de importância transcendental. Ato brutal contra si mesmo, é um “homicídio invertido”, onde o assassino é a própria vítima

Por Paulo Ferreira

Diante dos fãs, durante uma live no seu instagram, o cantor MC Mineiro, de 23 anos, se suicidou ao vivo, no dia 15 de dezembro do ano passado. Antes desabafou seus problemas pessoais em público. Além dos crescentes casos de violência, como assaltos e estupros, que diariamente assustam a população, os casos de suicídio também vêm aumentando no Brasil e no mundo. Desperta a curiosidades de estudiosos e do público. E, a fim de oferecer aos nossos leitores um trabalho esclarecedor sobre a questão, conversamos com o médico Fernando Filizola, um renomado psiquiatra, que aborda com muita clarividência esse tema.

Dr Fernando Filizola

Atualmente vêm ocorrendo muitos casos de suicídio. Há os que tentam, mas são salvos. Outros conseguem seu intento. Os motivos, pouco se sabe. As formas de liquidar a própria vida variam de acordo com a cultura. As maneiras predominantes são através de enforcamento, medicamentos venenosos, tóxicos, formicidas, armas de fogo, defenestração (atirar-se da janela de um prédio) e pular de pontes. Segundo a psiquiatria, o suicídio se classifica como altruísta, egoístico e anômico. O altruísta é por conta de valores éticos (e religiosos, antigamente). Este é o caso dos mártires, dos escravos que se atiravam dos navios, dos apaixonados. O egoístico é quando a pessoa se afasta da sociedade, daí, encontra um jeito egoístico (fechado em seu “eu”) de morrer. Quando a sociedade falha, restringindo ou anulando as normas sociais, surgem os anômicos, suicídios manifestados pelas alterações da ordem econômica e social, decorrente da quebra de estruturas.

Homicídio às avessas – O Dr. Fernando Filizola diz que o termo suicídio deriva da palavra em latim para autoassassínio. “Trata-se de um ato fatal que representa o desejo da pessoa morrer. Os fatores que levam ao suicídio são variados, quase sempre decorrentes de fatores de risco, como a diferença de gênero, idade, raça, religião, estado civil, ocupação, saúde física e mental, dependência química etc. A teoria de Freud sobre o suicídio é de que esse ato representa uma agressividade voltada para dentro.

Ele duvidava que pudesse haver suicídio sem um desejo anterior reprimido de matar outra pessoa. Menneger, outro grande nome da psiquiatria, concebe o suicídio como um homicídio invertido. Teorias recentes mostram que na maioria das vezes ocorre pelo fato do paciente não suportar o sofrimento intenso e a sensação de desesperança”, afirma. “Os animais muitas vezes se matam por disputas territoriais ou de acasalamento, no caso dos machos. Já o homem quando perde o sentido da vida, pelo próprio erro cometido, indo para o remorso ao invés de se arrepender e pedir perdão ao criador, muitas vezes a única saída que vê é a morte, podendo está em sã consciência ou não”, analisa.

2ª causa de morte – Filizola acredita que o suicídio pode ocorrer por um ato de vingança, para promover o sofrimento de alguém próximo que o feriu, mas que na maioria das vezes, ocorre para cessar um grande sofrimento, uma dor psicológica insuportável, interminável, um caso sem saída. “O suicida é o autoassassino, e também a própria vítima. Mas não podemos esquecer dos familiares e amigos (outras vítimas) que perderam um ente querido”, compreende.

O médico disse que há casos em que o suicida planeja por dias, semanas e até anos, antes de agir. Outros tiram suas vidas aparentemente movidos por um impulso sem premeditação. Em geral os homens cometem mais suicídio do que as mulheres. Hoje, aumenta o número de mortes por suicídio entre os jovens, enquanto há redução entre os idosos. De acordo com a OMS, o suicídio é a segunda causa de morte entre os jovens de 15 a 29 anos. Há casos raros com as crianças. O suicídio é a 10ª posição geral em causa de mortes.

Fatores psicológicos – “Sabemos que a maioria das doenças emocionais causadas por estresse, e que a vida moderna, agitada, conturbada, contribui para as depressões e outras patologias. Com certeza quanto maior o grau cultural, maior o estresse. O suicídio decorre de fatores biológicos, psicológicos, culturais e sociais. Quem vive no campo, em contato com a natureza, vive melhor, com menos risco.

Os fatores que debilitam o ser humano os levam a cometer esse ato, se não forem tratados adequadamente”, ressalta. Ele lembrou que, como o suicídio, existem outros tipos e atos de “pior destruição”, como a ganância pelo dinheiro, guerras, isolacionismo pela tecnologia mal utilizada, pensamentos rígidos, intolerância, destruição familiar, doenças do estresse e tantas outras.

Considerações – “Quando alguém teria a própria vida, deixa interrogações que não serão respondidas. A pósvenção (tratamento psicológico) deve ser prestada aos que ficam, pois muitos se sentem culpados. Quase 95% das pessoas que cometem suicídio foram diagnosticadas com transtornos mentais. Fatores genéticos são importantes na prevenção. Temos que ficar alerta quando alguém fala em suicídio, levando-os logo ao tratamento com profissionais capacitados.

Também pessoas que cometeram suicídio, mas nunca homicídio anterior, não podemos dizer que seriam capazes de matar outras”, finaliza o médico. O suicídio é um fenômeno universal e extremamente humano, que vem se registrando ao longo da história e em todas as civilizações. Seja como for, o suicídio vem despertando cada vez mais a preocupação da sociedade. No entanto, esse pequeno estudo não consegue esclarecer, devido à complexidade do problema se, sobre o ponto de vista jurídico, não deveria aquele que tentou suicídio responder a inquérito? Se alguém atentou contra a própria vida, não seria capaz de matar a outro?

*Matéria publicada na edição Janeiro 2020 no Jornal Voz do Planalto

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