Educação Saúde

Verde perto

Espaços verdes em pequenos ambientes e pontos comerciais e os benefícios para quem os cultiva ou aprecia

 

Por Nice Lima

Calor, correria, barulho, espaços cada vez mais reduzidos, a paisagem – dia após dia – mais cinza, invadida pelo concreto…Não gostou? Angustiante? Então vamos começar de novo: cheirinho de terra, conforto térmico e visual, frutas e ervas pertinho…A correria pode continuar a mesma, o barulho do lado de fora, que jeito?  Continua existindo e a expansão do concreto, persistente, mas algo pode ser diferente, melhor, porque pertinho da gente há a possibilidade de ter mais verde, ambientes com plantas e flores podem ser criados em pequenos espaços para, justamente, mitigar os efeitos causados pelo estresse da grande cidade. Estamos falando de uma tendência que vem conquistando cada vez mais pessoas que defendem a sustentabilidade, a expansão do verde em pequenos ambientes como apartamentos, escritórios, e até em pontos comerciais como bares, restaurantes, galerias de arte, muitas vezes, na contramão da especulação imobiliária que transforma quase tudo em concreto, e da ausência ou ineficiência de políticas públicas voltadas à criação de espaços públicos de lazer e à preservação do verde.

Estar em contato com as plantas demonstra ser bom para a saúde, é o que aponta uma pesquisa da Universidade de Surrey, no Reino Unido, que defende que cultivar plantas no ambiente de trabalho reduz o estresse e pode colaborar para reduzir a pressão arterial.  Outros benefícios são apontados: as áreas verdes são consideradas por especialistas como auxiliares no controle da poluição do ar e acústica, aumento do conforto ambiental, estabilização de superfícies por meio da fixação do solo pelas raízes das plantas, abrigo à fauna, equilíbrio do índice de umidade no ar, organização e composição de espaços no desenvolvimento das atividades humanas, valorização visual e ornamental do ambiente, recreação, diversificação da paisagem construída. Para o biólogo e professor Thiago André, além de contribuir para a sensação de saúde e bem-estar, manter espaços verdes nos lugares que frequentamos contribui para gerar uma cultura da preservação ambiental “os espaços verdes, mesmo que pequenos e particulares, são fundamentais, pois representam uma forma de sensibilizar a todos sobre a importância de cada um de nós fazermos a nossa parte para que haja sustentabilidade do verde em nossas cidades.” Ele defende que implantar pequenas áreas verdes pode servir de primeiro passo para que outras pessoas pensem em fazer o mesmo, “cabe mobilizarmos nossos familiares em nossas casas, nossos vizinhos em nossas ruas/condomínios, nossos amigos, seja na escola, seja na faculdade, seja no trabalho … Enfim, é um trabalho de formiguinha mesmo, de construção passo por passo. Porque se quisermos que o macro seja transformado e que as questões ambientais entrem nas grandes pautas políticas e econômicas das cidades é preciso que haja esse controle social, que parta de nós a necessidade de cuidar do nosso verde.”

casal Sentido essa necessidade de tornar o ambiente doméstico mais acolhedor, um verdadeiro reduto de boas energias, o casal Felipe Calheiros, documentarista, e Milenna Gomes, jornalista, ao procurar um lugar para morar, teve como um dos principais critérios a possibilidade de poder cultivar no ambiente plantas de diversas  espécies para criar um clima que favorecesse conforto, o contraponto para a rotina num grande centro urbano como Recife. Mesmo morando no oitavo andar de um edifício de 13, Felipe e Milenna transformaram completamente a varanda do apartamento, a mais verde de todo o edifício. São 35 espécies que oferecem conforto térmico e visual. “Algumas pessoas perguntam se dá muito trabalho, se a gente consegue conciliar os cuidados com as plantas com nossas viagens, etc, mas a gente sempre incentiva o pessoal a cultivar, lógico que precisa ter cuidado com as plantas, mas, ao mesmo tempo que você está cuidando delas, você está exercitando algo que é bom pra você. É o contato com alguma natureza nesta cidade de concreto.” Conta Felipe.

Para a companheira de Felipe, a jornalista Milenna Gomes fica tudo mais colorido, aconchegante, vivo. Além de embelezar, o espaço das plantas é, certamente, também de recreação: nosso (meu e de Felipe), que usamos a rede em meio ao mato para relaxar, e dos amigos, que elegeram, sem querer, a varanda como lugar favorito pra ficar durante festas.” Os amigos enchem os olhos com a beleza das plantas e Felipe compartilha essa beleza: “A gente costuma também doar plantas para os amigos, a gente faz isso pra ver se as pessoas também se estimulam a plantar, eu já entreguei plantas para mais de 30 pessoas.”

Ao que parece, a varanda deles não é apenas um espaço festejado e querido apenas pelos amigos não, durante os contatos para a entrevista, Felipe nos disse: “ah, e por sinal, neste momento tem até um ninho de passarinho (guriatã de coqueiro) na nossa varanda”. Mas que passarinho esperto, parece que ele também estava adivinhando o nosso interesse pela varanda do Felipe e da Milenna: “ A estadia dos passarinhos foi, de longe, a visita que mais tocou a gente. Me senti especial. Nós moramos em um lugar bastante concretado, perto de uma avenida loucamente movimentada, por isso, fiquei emocionada por justamente nossa varanda, uma quadradinho de verde no meio de tanto cinza, ter sido escolhida para ser a moradia daquele casal. Eles se sentiram bem e seguros para se fixar ali. Já tivemos a visita de beija-flor, morcegos e de uma águia.” , conta a jornalista.

 

 

Sustentabilidade, uma prática também no mercado

 

verde-01De olho na tendência de cultivo de plantas mesmo em pequenos ambientes, tem crescido no mercado as opções de jardinagem e paisagismo para quem não dispensa os cuidados com as plantinhas mesmo que não tenha jardins com muitos metros quadrados. Rafael Andrade apostou nessa tendência e, há pouco mais de um ano, abriu a Terraço Verde – Jardinagem e Paisagismo. “Desenvolvemos projetos de paisagismo para quem tem jardins, mas notamos uma procura muito grande por ideias de cultivo e manutenção em ambientes pequenos como varandas de apartamentos, jardineiras, áreas pequenas de edifícios”, conta Rafael.  Para ele, o caminho para atuar na área é procurar se especializar mais, embora ainda considere reduzida a quantidade de cursos específicos.

Em relação aos clientes, o contato é o mais agradável possível, desde a prestação de serviços de jardinagem e paisagismo, como venda de produtos e consultoria. “Buscamos trabalhar com preços acessíveis e variedade de produtos, embora, claro, existam aqueles produtos que são sempre bem procurados como rosas, cravinas, suculentas e cactos.  Também é perceptível a procura por espécies que dão pouco trabalho de cultivo, principalmente para aquelas pessoas que moram sozinhas e/ou que viajam muito”.

 

 

Petiscos, cervejinha gelada e um Telhado verde?

                 O cenário pode parecer igual ao de tantos e tantos bares do Recife e de outras cidades, ainda mais no centro do Recife, agitado, ruas e mais ruas, mas olhe bem, olhe para cima e vai encontrar algo que poucos bares oferecem: lá está um teto verde no Bar Central, Bairro de Santo Amaro. Bastante frequentado por artistas, jornalistas, o Central tem, ao longo de seus 12 anos, procurado coisas diferentes, inovadoras, muitas resultado de dez anos de buscas por referências que o proprietário Andre Rosemberg realizou em lugares  como Índia e Europa. A opção por instalar um telhado verde em uma área como o centro do Recife demonstra essa cara de inovação do bar e reflete umas das questões mais debatidas nas grandes cidades: sustentabilidade e alternativas de bem-estar e qualidade de vida.verde-02

 

“A criação do teto verde surgiu do desejo em contribuir para melhorar a cidade. Decidimos investir em um jardim e pequeno pomar. Nossa empresa se preocupa com seu entorno, fazendo a sua parte, tentando deixar a cidade mais agradável, a ideia foi realizar um sonho, um capricho, dar um bom exemplo”, destaca Andre. O teto contribui com o bem-estar e diretamente com o que é consumido no Central. Aquele drink apreciado no bar pode receber o incremento especial de maracujás, limões cultivados no teto: “eles não atendem à demanda da gente, pois nossa demanda é muito maior, algumas frutas ainda deixamos no pé para os passarinhos apreciarem, frutas como maracujá e limão, que eles não comem, nós aproveitamos”, explica o proprietário. Numa área de 250 metros quadrados, aproximadamente, é possível encontrar além dos limões e maracujás, jabuticaba, pitanga, laranja, romã, manjericão, pimenta, cebolinha, hortelã, além de um belo tapete de grama. O projeto foi feito em duas etapas, uma com uma empresa de paisagismo e depois manutenção de jardinagem. A laje foi totalmente impermeabilizada com manta asfáltica para evitar infiltrações e garantir o escoamento da água. Entre projeto e implantação, o custo ficou em aproximadamente R$ 20 mil reais. O telhado chama a atenção de clientes e pessoas que transitam pela rua do bar, tanto que foram implantadas visitas guiadas para o espaço, mediante agendamento. As visitas são realizadas das 16h às 18h e recebem alunos de escolas e até estudantes e professores de arquitetura curiosos com o projeto. Para a manutenção das visitas ainda serão feitas adaptações, já que o acesso ao teto é por uma área interna e requer um planejamento e atenções especiais por parte dos funcionários do Central.

 

 

De um cuidado individual para um cuidado com a coletividade

                 A busca por espaços verdes mesmo em ambientes pequenos e em meio ao concreto das cidades reflete uma busca por qualidade de vida que muitas gestões não buscam praticar. Os micro espaços aparecem como uma alternativa para aliviar o caos de um dia a dia cinza e com poluição, a ideia é que eles possam ser um pedacinho de mundo melhor nas nossas casas, nos nossos ambientes de trabalho, nos lugares que gostamos de frequentar e muitas pessoas têm apostado nisso. Mas, ao mesmo tempo que se pensa em sustentabilidade e bem-estar no nível micro e individual, é necessário pensar no nível macro e coletivo como destaca Felipe Calheiros: “o deslocamento da preocupação do ‘eu’ para uma preocupação com o ‘nós’ é o principal. Desde a reciclagem de material em casa, a separação do lixo orgânico do lixo reciclável, possibilidade de plantar, oferecer os espaços verdes na varanda, e nos espaços públicos, técnicas de compostagem, reutilização de materiais, existem alternativas para contribuir no micro. Em relação ao macro a gente tem de fazer uma análise crítica de como essas grandes decisões são tomadas no ponto de vista da gestão das cidades. Isso influencia de forma muito intensa o projeto de futuro que a gente quer para a cidade que a gente habita juntamente com milhares de pessoas.”

                 Para o biológo Thiago André: “um gestor que negligencia o contexto ambiental de sua cidade contribui para que diversos problemas venham a se instalar nelas. Não basta apenas concentramos todos nossos esforços para que se instalem novos empreendimentos (shoppings, lojas, fábricas, etc.) em nossa cidade se não temos políticas públicas que norteiem diretrizes a serem seguidas para que haja harmonia entre o desenvolvimento econômico/social e o meio ambiente.”

O despertar para essa consciência de sustentabilidade a cada dia acontece e de maneira a trazer benefícios para quem a pratica. Os pequenos espaços verdes, acompanhados de ‘ideias’ verdes, práticas sustentáveis, demonstram ser um caminho adequado para toda a coletividade. Essa ideia sendo cultivada em cada pequeno jardim, em cada varanda que embeleza o edifício, em cada muda compartilhada por um amigo e nas práticas de pessoas que têm seus empreendimentos contribui para uma cidade melhor, num nível macro. Quando mais gente e os gestores se encantarem com a ideia vai ser mais bonito ver de perto.

 

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