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Carta aberta sobre os 19 anos da Associação Cultural dos Mamulengueiros e Artesãos de Glória do Goitá e do Museu do Mamulengo de Glória do Goitá

A Associação Cultural dos Mamulengueiros e Artesãos de Glória do Goitá – ACMAGG e Museu do Mamulengo de Glória do Goitá – MMGG, foram fundados em maio de 2003, no munícipio de Glória do Goitá, Zona da Mata Sul do estado de Pernambuco – cerca de 60 km do Recife. Neste dia, 07 de maio de 2022, completam 19 anos de (r)existência. A concepção da ACMAGG foi idealizada por um conjunto de atores composto por políticos, professores e detentores da manifestação cultural, após a realização do projeto “Mamulengo: Boneco Brasileiro” (2000), coordenado pelo pesquisador Fernando Augusto, em parceria com o Programa Artesanato Solidário – ARTESOL, financiado pelo Banco Mundial. O projeto teve o objetivo de criar o Centro de Revitalização do Mamulengo Pernambucano e transformar Glória do Goitá e Olinda em dois grandes polos de produção de bonecos e de mamulengueiros. Assim como muitos museus, o MMGG foi criado a partir de uma “intuição museológica”, fenômeno no qual os grupos sentem a necessidade de salvaguardar e comunicar determinado patrimônio. Ao conceberem a Associação, os detentores construíram um espaço museal e realizaram o processo de musealização – preservando e expondo os bonecos de Mamulengo.

O MMGG e a ACAMGG estão sediados em prédio público municipal. No entanto, é importante enfatizar que o MMGG tem gestão independente e não angária verba permanente de nenhuma instituição pública ou privada, seu fundo financeiro se dá exclusivamente a partir da captação de recursos via editais e da arrecadação das vendas realizadas pela gestora do Museu, a ACMAGG, (uma organização privada e sem fins lucrativos), que é composta por cerca de 25 pessoas, dentre elas mestres, mamulengueiros, bonequeiros, artesãos e colaboradores acadêmicos. Entre os serviços oferecidos pelo Museu, destacam-se a visita guiada, espetáculo de mamulengo e oficinas, além da comercialização dos artesanatos confeccionados pelos integrantes da ACMAGG. No espaço, também há seis grupos de mamulengo: “Nova Geração”, da própria Associação; Mamulengo “Flor do Mulungu”, formado somente por mulheres da ACAGG e liderado pela Mestra Titinha; o Mamulengo “Riso do Povo”, doado pelo Mestre Zé de Vina, pouco antes de falecer, ao Museu; “Teatro História do Mamulengo”, do Mestre Bila; “Mamulengo a Arte da Alegria”, do Mestre Bel; e, recentemente, foi criado o Mamulengo “Risadinha”, o primeiro grupo infantil de mamulengo, composto por jovens entre 11 e 17 anos. Os jovens foram direcionados para compor a primeira turma da Escola Pernambucana de Mamulengo Mestre Zé de Vina (fundada em 2020), sediada no Muse do Mamulengo e em homenagem ao padrinho artístico da Associação e do Museu, o saudoso Mestre Zé de Vina.

Hoje, a Associação é presidida pelo Historiador Pablo Dantas, tendo como vice-presidente o Museólogo Gilvanildo Ferreira, além de Edjane Lima (Mestra Titinha) como secretaria e Jacilene Félix, como tesoureira. As últimas gestões da Associação solidificaram o processo de institucionalização das práticas e parcerias. Historicamente, a ACMAGG e o MMGG frequentam festivais fora do estado e a exportam bonecos para outros países. Participaram, a níveis municipais, estaduais e nacionais, de feiras de artesanatos e festivais culturais. Com o processo de institucionalização, outras ações também foram desdobradas, como a inscrição no Cadastro Nacional de Museus – CNM, do Instituto Brasileiro de Museus – IBRAM, inventário museológico do acervo, programação para registro jurídico de criação do museu, construção do plano museológico; e diálogos próximos com órgãos encarregados pela salvaguarda do patrimônio cultural.

O grupo também se especializou na capitação de recursos via editais públicos e privados. Com esse movimento, contemplou prêmios, como o “Prêmio de Culturas Populares – 100 anos de Frevo, Mestre Duda”, do Ministério da Cultura, em 2007, e o Programa de Promoção do Artesanato de Tradição Cultural – Promoart, em 2009, que destinou recurso para reforma da edificação do antigo Mercado Público de Glória do Goitá. Ainda em 2021, a Associação, a Mestra Titinha, o Mestre Bila e o Mestre Bel foram contempladas pela Lei Aldir Blanc de Emergência Cultural de Pernambuco (Lei Federal nº 14.017/2020), totalizando quatro prêmios.

Dentre os muitos projetos de captação de recurso já executados, destacam-se dois agraciados pelo 6° Prêmio Ayrton de Almeida Carvalho (Secretária de Cultura de Pernambuco – Secult-PE – Fundação do Patrimônio Histórico e Artísitico de Pernambuco – Fundarpe), ambos com incentivo da Fundarpe. O “Mais Mamulengo e Menos Barbie”, coordenado pela Mestra Titinha, ficou primeiro lugar na categoria Formação; já o “Inventariando o Patrimônio: Criação, Organização e Difusão do Acervo Etnográfico Permanente e Documental do Museu do Mamulengo de Glória do Goitá”, coordenado pelo autor deste texto, ficou em primeiro lugar na categoria Acervos Documentais e Memória Cultural.

Em 2019, ano pré-pandêmico, o MMGG recebeu cerca de 4 mil visitantes – uma quantidade considerável se tratando de um espaço no interior do estado. Com a pandemia, assim como todo os museus do país, o MMGG passou vários meses fechados e cercado de incertezas sobre o futuro – o que seria de um espaço dedicado à difusão de um Bem Cultural com a impossibilidade de se comunicar? As redes sociais se tornaram uma ferramenta imprescindível para atividades desenvolvidas. Nessa plataforma, foram ofertados espetáculos, oficinas, lives, sorteios e, o mais importante, a proximidade com o público foi reestabelecida e fortificada. Hoje, o processo de musealização do MMGG perpassa, necessariamente, pelas mídias digitais. No universo digital, foi possível também a criação do “Feirão do Mamulengo”, que, em 2021, ofertou sua segunda edição. A concepção do Feirão foi idealizada para substituir a participação na Feira Internacional de Artesanato de Pernambuco – FENEARTE (organizada pelo Governo do Estado), durante o período pandêmico. Mas, diante do sucesso, foi integrado como um evento permanente na agenda anual.

Essas são algumas das estratégias construídas pelos integrantes da ACMAGG e MMGG nos últimos anos. As alternativas visam garantir que as ações administrativas, técnicas, políticas e, em especial, financeiras sejam sistematizadas pela instituição. É por meio deste planejamento que está sendo possível definir as prioridades, metas, indicadores e sinalizar os caminhos imperativos para a plena gestão, como também acompanhar as atividades e avalia-las. Essa gestão institucionalizada tem fomentado, nos associados, uma maior desenvoltura no chamado empreendedorismo cultural, garantindo a manutenção e ampliação do ciclo financeiro para os artesãos.

A elaboração dessa transição da “informalidade” à institucionalização é regulada a partir da colaboração direta dos integrantes da instituição, presentes em todas atividades e ações arroladas. Ou seja, com o agenciamento garantido, os atores podem tomar a liderança de forma compartilhada e sugerir direções sobre o que está sendo tratado, se tornando ativos no processo. Soma-se a esses fatores de apoio, às condições sociais e materiais dos conhecimentos dos grupos e de sua organização comunitária, a difusão e democratização desses saberes para a população e a valorização da cultura popular pernambucana. Nesse sentido, a importância da ACMAGG e MMGG em relação a esse bem cultural específico pode tornar essa experiência singular um modelo e estímulo para que outros grupos planejem estrategicamente à salvaguarda e comunicação de suas manifestações culturais através da autogestão.

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